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5 de jul. de 2017

Samantha

Samantha estava por um fio. Era a casa para cuidar, já que ninguém lá colocava a droga de uma xícara suja na pia pelo menos, a irmã mais nova para ajudar nos estudos (apesar de ela mesma não ter concluído o ensino fundamental), o maldito horário de trabalho que a fazia ter de acordar todos os dias às quatro da manhã para poder pegar dois ônibus e começar às oito. E nos domingos nem conseguir dormir um pouquinho mais para recuperar-se do cansaço da semana, pois sempre tinha alguém/alguma coisa a acordando:
- Chuva! As roupas no varal
- Sammy! Você viu minha calça preferida?
- Filha! Me mostra como é mesmo que cozinha arroz, mais tarde eu quero fazer.

Não se lembrava da última vez que tinha tido um tempo,um tempinho que fosse, para ela mesma. Já não fazia as unhas há anos, desistira de concluir os estudos por causa da dupla (até mesmo tripla) jornada de trabalho, estava com uma alergia na pele e sem tempo de ir ao médico porque não conseguia sair do trabalho para tal. Depois que a mãe foi embora, cansada de carregar a família nas costas, Samantha acabara assumindo o seu papel. A eterna empregada da casa. Era chegar do trabalho às nove da noite, deixar tudo pronto e se tivesse sorte, conseguir dormir antes da meia-noite para acordar de novo às quatro da manhã do dia seguinte. Isso não acabava nunca...  Às vezes maldizia a mãe, que se livrara de todo o tédio e de uma família que não colaborava em nada, porém a deixara ali, amargando a vida que fora dela. Por quê?

E.. por que essa situação continuava? Os irmãos e o pai tinham duas pernas e dois braços como ela, caramba. O pai também trabalhava fora o dia todo, porém isso não deveria impedi-lo de levar à pia a droga da xícara suja de café. O fato da irmã estudar não deveria impedi-la de colocar suas roupas sujas no cesto. Foi aí que Samantha cansou de vez. Não era justo. Eram dez da noite de domingo. Foi para seu quarto e começou a aprontar o que precisaria para o dia seguinte.

Quatro da manhã, segunda-feira. Um ovo, uma xícara de café. Tudo arrumadinho na cozinha. Uma marmita para o pai levar ao trabalho. Pegou sua bolsa, seu crachá e foi até o ponto de ônibus. A irmã teve de ir para a escola com a primeira roupa limpa que encontrou e que estivesse passada. Junto à cabeceira de sua cama, um bilhete: “Daniela, prepare seu café da manhã e o do Júlio e veja se ele tem o uniforme pronto. Samantha”.

No ônibus, Samantha pensava em como Daniela iria ajudar o irmão caçula, se nem mesmo sabia direito onde ficavam as coisas dentro da geladeira. Mas ela já tinha quinze anos e poderia aprender.
Nove da noite. Samantha chegou em casa. Viu a louça na pia, cobriu com um pano e foi tomar banho. Leu um livro no silêncio de seu quarto antes que Daniela entrasse e logo pegou no sono. Deixou um bilhete na mesa:
“Pai, as contas de luz e água vencem hoje. Como o seu trabalho fica mais perto da lotérica que o meu, por favor pague estas contas”

Terça-feira, cinco da tarde. O pai chegou em casa. A louça do dia anterior ainda estava na pia. O que estava havendo com Samantha? As contas ainda estavam na mesa, ele não havia visto o bilhete, nem mesmo quando viera para casa almoçar. Daniela e Júlio estavam lutando para descobrir como a máquina de lavar roupas funcionava, pois Samantha não havia feito isso também. Como ninguém lavara as louças, cada um pegou uma colher, um garfo e uma faca e comeram diretamente das panelas, que aumentaram o volume que se acumulava na pia.

Quarta-feira, sete da manhã. Enquanto se preparava para ir à escola e chamava o irmão, Daniela topou com mais um bilhete: “Só irão para a máquina as roupas que estiverem no cesto de roupa suja. E lavem as louças, pois eu vou chegar mais tarde”.
Ao voltar da escola, Daniela teve de lavar as louças, pelo menos a quantidade suficiente para poderem almoçar.
Samantha marcou a consulta com a dermatologista e antes de voltar do trabalho foi comprar um livro e matricular-se na autoescola.


    Dez horas da noite. Samantha verificou os cestos de roupa suja, colocou algumas na máquina e deixou o ciclo completar. Passaria as roupas apenas no sábado. Tomou banho e foi dormir com um sorriso ao ver que a pilha de louças na pia diminuíra.

6 comentários:

  1. Que bom Samantha acordou e vai pensar nela agora!Lindo! E as coisas vão se arrumar, outros assumirão... bjs praianos,chica

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  2. Já estava nervosa com Samantha fazendo tudo. Ainda bem que ela deu uma reviravolta. Respeito e amor próprio em primeiro lugar. Amei o final.
    Grande beijo

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  3. Uma história muito interessante e quantas Samanthas e familias como essa não haverá!
    Ainda bem que ela tomou uma atitude pensando um pouco mais em si.
    Beijinhos,
    Ailime

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  4. "O que estava havendo com Samantha?"

    Samantha finalmente acordou e deixou de ser a empregadinha da casa - o que é muito comum ainda, infelizmente. :/

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  5. Olha amiga eu discordo dessa moral hein? Quando eu dividia o quarto com meu irmão era eu quem arrumava tudo até que eu me cansei e passei a só arrumar meu lado do quarto. O que o meu irmão fez? Passou a viver na sujeira tranquilamente. Quando minha avó faleceu e eu mudei de quarto ele ficou com mais sujeira ainda no quarto dele. Hoje abrir a porta do quarto dele é para sentir cheiro de chulé kkkkkk acredite tem pessoas que não tem jeito mesmo. Mudando de assunto gostei do banner e do novo fundo do blog tá bem bonitinho. Beijos!
    PS: Se não encontrar o meu blog na hora de responder é porque eu deletei mesmo. grande abraço!

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    Respostas
    1. Pois é, eu percebi que deletastes o blog há um tempo atrás, quando quis entrar. Ainda bem que não sumistes de vez!

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