Ás vezes paro para pensar sobre algumas pequenas coisas linguísticas do nosso universo contemporâneo que me intrigam.
Uma delas, e até mencionei no Twitter, é a tendência nos últimos anos de receitas postadas em sites cuja lista de ingredientes começa com "X unidades"
"Duas unidades de ovo"
"Uma unidade de cebola"
"Meia unidade de abobrinha"
Por que não "dois ovos" e "uma cebola"? Não é a mesma coisa? Ou eu sou muito bronca e tem alguma diferença aí, que não percebo?
"Pique a cebola grosseiramente" Imagino uma pessoa picando a cebola e xingando-a durante o processo. O que não seria algo difícil de acontecer levando-se em conta que eventualmente a gente chora fazendo a tarefa, ou seja, xingar a cebola seria devolver um desaforo que ela nos faz.
"Sal, pimenta e cebolinha a gosto". Aí você vai ver a pessoa coloca a pimenta em colheres, ahaha. (Lembrei de um certo programa da TV brasileira no qual virou piada a fala de um participante perguntando se sete quilos de sal daria para uma semana - aí depende de quem faz a receita "a gosto").
Me divirto pensando em como uma palavra pode ter significados diferentes, dependendo do contexto. Bem lembra disto Luís Fernando Veríssimo, quando em uma de suas crônicas mostra que "pois sim" pode ser interpretado como "não" e "pois não" como um "sim", o que no texto mencionado dava um nó na cabeça de uma moça estrangeira.
O uso da palavra "onde" como coringa também é algo que não entendo como começou... Deve ter vindo do mesmo lugar no qual se originou o gerundismo, até uma década atrás motivo de piadas e memes e hoje em dia incorporado de tal forma que nem é mais percebido.
" A história da famosa atriz começou na década passada, onde ela nasceu em 1980 na cidadezinha de seiláqualândia, onde ela teve uma infância feliz, onde vivia com seus pais até completar dez anos." Sério, que tara é essa por tanto "onde" nos textos? Chega a ser irritante, já fechei vídeos e páginas na internet de tanto ver esse bendito onde chovendo em tantos parágrafos a ponto de quase ocasionar uma enchente adverbiativa, se é que essa palavra existe.
Nossa língua tem tantos advérbios e este povo usando "onde" no lugar de outros termos mais apropriados.
E o cujo? O cujo virou artigo raro. "Essa é a menina que te falei, que os pais se mudaram semana passada". Sério, o que aconteceu com o cujo? Que eu saiba a reforma ortográfica não proibiu o uso dele. Deve ter sido sepultado junto com o modo subjuntivo, que teve seu espaço ocupado pelo pretérito imperfeito.
Sim, sei que estou digressionando. Era para falar sobre receitas e termos estranhos e agora estou implicando com gerundismos e o uso excessivo de termos como se fossem palavras-coringa.
Mas enfim, tudo está no terreno da nossa língua. Que aliás, adoro com cebola e alho pela riqueza do vocabulário.
Temos várias palavras e expressões para significar diferentes níveis de contentamento, surpresa, decepção. Inclusive repetindo palavras, mas não em circunstâncias que não cabem como a palavra "onde" que mencionei alguns parágrafos acima. Muitas destas palavras-coringa são palavrões e dependendo de quem está ouvindo, tudo bem.
Nossa língua é rica, viva e mutável e isso é muito bom. Mas ao mesmo tempo, é bom cuidar para não limitar tanto nosso vocabulário.
Para que, por exemplo, importar palavras em inglês para situações em que já temos palavras ótimas em português?
Dá nada, eu também uso expressões em inglês, espanhol, italiano... Mas ao mesmo tempo, não consigo conceber ficar falando "bowl" quando temos "tigela" e "cumbuca". Ou dizer "estou meio down" quando posso dizer que estou "pra baixo", "borocoxô"...
Uma expressão que gosto muito é "meio assim". Você não precisa completar quando diz que "está meio assim" ou que tal pessoa "ficou meio assim". Todo mundo entende.
Penso em como sofre quem interpreta o que ouve de forma literal:
"Chover canivetes"
"Matar cachorro a grito"
"Estar fora da casinha"
"Viajar na maionese"
"Fazer nas coxas"
"Morar em uma meia-água"
"A passos de tartaruga"
"Sem pé nem cabeça"
Entre outras expressões que me encantam desde que me conheço por gente.
Mas sério... ainda estou pensando qual o sentido em escrever "uma unidade de ovo", "duas unidades de cebola"... se alguém souber de um motivo válido para isso, elucide minha mente que adora cultura inútil.
Mari, muito legais tuas digressões linguísticas e quando paramos pra pensar até nos fazem rir. VCada uma que aparece. Gostei da análise das receitas. Bem isso! Não vejo o motivo ,não? E as expressões? Fazem bem pensar... Gostei! Beijso, lindo dia,chica
ResponderExcluirO português é dificílimo, nós mesmo não conseguimos dar conta . Comunicão é algo também bem complexo, então o que fala sobre receitas para mim , que não domino a culinária, é dificil de fazer o que não for com medidas precisas.
ResponderExcluirAtualmente, o que eu gosto é da liberdade de expressão, da escrita mais livre de regras. Enfim, um tema para muita conversa. bjs
Boa tarde Mari,
ResponderExcluirA língua portuguesa é muito rica e não havia necessidade de a maltratarmos.
Os seus reparos são muito pertinentes e dão que pensar.
Beijinhos e bom fim de semana.
Ailime
Querida amiga Mari!
ResponderExcluirSó hoje vi e ri muito com o pois sim, pois não ...
Seu jeito de escrever leve disse coisas verdadeiras de forma descontraída
Adorei.
Na fala diária, sou despojada, mas nos blogs, gosto de fazer o mais correto que sei.
Gosto do jeito irreverente no uso informal, só não gosto de palavrões nas falas em se tratando de mim. Se alguém fala, paciência.
Acho um jeitinho de vulgarizar nosso idioma tão belo.
Também aprecio uma linguagem simples ainda que correta.
Gostei muita do post.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos carinhosos e fraternos
Que show amiga!
ResponderExcluirO que quer e pode esta língua, já foi cantado e questionado por Caetano Veloso, que dizia que queria roçar a língua de Camões, kkkk
Coisas sem pé nem cabeça que tentamos decifrar e absorver como nossa linguagem.
Mas esta da cebola e do ovo é sensacional, juro que não lhe posso dar uma mãozinha, kkk
Gostei.
Abraços.
Agora a sua imagem 390 está vindo a passos de tartaruga do TAMAR?
kkkk, brincadeira Marina. Precisamos de humor neste momento que vivemos.
Sim, veio de uma tartaruga do TAMAR que estava manca. Mas chegou, acabei de postar. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ExcluirO meu elogio para esta publicação. A verdade é que cada terra tem usos linguísticos muito próprios. No Alentejo surgem expressões que noutra zona do País não existem, como no Norte ou Sul/Algarve, acontece a mesma coisa.
ResponderExcluirA língua portuguesa é riquíssima sem dúvida.
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Boa semana. Cumprimentos.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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