Julieta,
Já faz tanto tempo que conhecemos você, gerações ouviram sua história e a repetiram até você se tornar quase um inconsciente coletivo. Então, não comecei esta carta com nenhum pronome de tratamento. Não há senhora, senhorita, madame, em personagens tão consagrados. Fica Julieta mesmo, e pronto.
Não escrevo para desabafar, tampouco para pedir conselhos.Escrevo para te dizer que vivo no século XXI e não precisei sofrer para ficar ao lado do meu Romeu, o que não significa que não houve problemas.
Pelo contrário, namorar, noivar e casar foi a parte mais fácil e tranquila do processo.
Quero te dizer, querida Julieta, que consegui o que você, por causa de problemas familiares e mal-entendidos, não conseguiu: o pós-casamento.
Julieta, você já pensou em como teria sido sua vida se você e o Romeu tivessem conseguido reconciliar as famílias, casar com a aprovação de todos, morar juntos, ter filhos...? Você tendo de cuidar da casa, deixando tudo organizado? E o Romeu iria ajudar você a sustentar a família, como?
Ah, é verdade, vocês eram adolescentes. Esqueça esta parte. Sei, no seu tempo os adolescentes já se casavam. Ainda bem que nasci no século XX - aliás, 20, vou escrever em algarismos arábicos de agora em diante. E pude me casar com quem quis e com a idade que achei melhor.
Julieta, escrevo para você por um motivo que nem sei qual. Você é um personagem de ficção e não vai me ler. Mas sei que há pessoas que leem as cartas que são escritas para você, todo ano. E quem sabe uma delas não precise ler algo assim. Mas em respeito à tradição, continuo escrevendo como se estivesse falando com você. Julieta.

Mas voltemos ao que eu escrevia antes de começar a divagar e deixar esta carta mais comprida do que planejei: Como seria o pós-casamento? Você e Romeu conheceram-se e se apaixonaram no mesmo dia, casando em segredo no dia seguinte. Vocês tiveram tempo de pensar se tolerariam os defeitos um do outro? Bem, era casar em segredo com Romeu ou casar obrigada com Páris, que também não era tão conhecido assim. Melhor casar com quem pelo menos nos agradou à primeira vista, não é?
Sabe, Julieta, o maior desafio, a maior batalha, é depois que a gente casa, depois que a festa acaba e a gente se vê em uma casa nova, com uma vida diferente começando.Ei, não procure a espada nem um garboso cavalheiro para isso, não é desse tipo de luta que estou falando.
Falo do cumprimento dos votos: "ser fiel ,amar, respeitar na alegria e tristeza, saúde e doença, por todos os dias da vida" em casal. Julieta querida, você não teve a oportunidade de amadurecer seu sentimento por Romeu, convivendo com ele,vendo-o de mau humor às vezes, tendo de administrar um lar. Oh, você é da aristocracia, provavelmente teria empregados. Mas teria de cuidar da casa mesmo assim. E teria de dar atenção ao Romeu, que nem sempre estaria a fim de carinho e beijos.
Posso te dizer que tenho o meu Romeu, que vivi uma paixão maravilhosa no tempo de namoro e estou vivendo uma história muito bonita agora, no casamento. Não sei se para você também teria sido bom. Cada caso é um caso.
Sei que escrevo hoje para dizer que o amor verdadeiro existe, e que não se desvanece ao primeiro percalço. Que não é necessário tomar veneno achando que supostamente alguém nos deixou, ou apunhalar-se pelo fato de um amor ter nos deixado, partido antes da gente. Que devemos fazer exatamente o contrário: evitar o envenenamento e procurar compreender o que está acontecendo e apurar os fatos; jogar fora o punhal, não nos maltratar por algo que deu errado e seguir em frente. Que uma paixão é impulsiva, mas o amor dá espaço para reflexão; que a paixão cega, o amor faz enxergar. A paixão entorpece e acelera o coração. O amor acalma e devolve o ar, ou nos faz lembrar que ele existe. E que, apesar de não conviver com o receio de ser sequestrada ou casada à força, como na sua época, nem com o temor que meu esposo encontre pela estrada algum desafeto que queira duelar com ele e por isso não o veja com vida ao final do dia, os tempos de hoje também são difíceis.
Cada era tem suas feridas, suas dificuldades, suas angústias. Mas o amor.. ah, o amor. Cantado em prosa e verso desde a antiguidade..este sempre tem e terá lugar no mundo, enquanto houverem seres humanos. E você, em nome dele, ajudou a encravar o desejo de romantismo no inconsciente coletivo da humanidade.
Saudações,
Marina B.
12 de junho de 2013