Duarte
era o tipo de homem que se poderia chamar "mediano". Nunca fora o
melhor, ou o pior, em nada. Nunca fora o melhor da classe, mas também
não estava entre os piores. Nunca fora um funcionário exemplar, nunca
vira o seu nome nos infames quadros de "funcionários do mês", mas também
nunca levara uma reprimenda.
Não era miserável, mas também não podia gastar, de vez em quando, com excentricidades.
Duarte,
nem pelo nome era chamado, seus colegas provavelmente não sabiam. Fora
chamado pelo sobrenome desde a época de faculdade (na qual também fora
um aluno "na média") e assim continuou. Até ele já quase esquecera, a ponto de estranhar quando algum familiar o chamava pelo primeiro
nome.
Mas
Duarte estava cansado. Cansado da monotonia de estar sempre na média.
Era um bom empregado, bom amigo, bom marido (pelo menos a mulher nunca
reclamara), mas sentia - se invisível. Perguntava-se frequentemente se
alguém sentiria sua falta, quando partisse. Parecia que sua vida estava
parada, "na média".
Tentou
lançar-se como escritor, porém logo ao entregar seus primeiros
rascunhos, a editora o classificou como escritor mediano. Ou seja,
poderia até ter boas vendas, mas não faria sucesso.
Lembrou-se,
então, de um antigo projeto que tinha com colegas da faculdade: montar
uma banda de rock. Porém, logo nos primeiros ensaios, percebeu que o som
que faziam, era algo "mediano". Não era ruim, mas parecia ser "mais do
mesmo".
Tentou
criar algo novo no emprego, ter uma ideia que destacasse. Quando
finalmente conseguiu elaborar algo, outra pessoa já havia executado.
Mesmo assim, não conformava-se com a ideia de sentir-se "mais um", de sentir-se invisível.
Até o dia...
Até o dia em que fez uma triste descoberta.
Não
eram as pessoas, não eram os seus trabalhos, não era a vida que tornava
tudo que tocasse algo "mediano" como se ele fosse um Midas de quinta
categoria.
Duarte descobriu que a sua invisibilidade era culpa dele mesmo.
Duarte,
ou melhor, Lourenço, começou a repensar sua vida e seus atos e, por
mais doloroso que isto fosse, não tinha como negar que se seus
familiares, amigos, superiores, editores não o notavam, não percebiam
seus talentos (que eram numerosos) era porque ele nunca fazia ou dizia
nada que estivesse realmente dentro de si por um único e terrível
motivo: o medo.
O medo o reprimia, ocultava suas inúmeras qualidades não permitindo que ele as expusesse ou agisse tal como era realmente.
Tal
como era Lourenço, visto que seu sobrenome recebera tristemente o
sinônimo de baixa auto-estima e esta, quando não controlada a tempo,
costuma ser devastadora para uma vida.
Medo.
Medo de não agradar, medo de receber um não, medo de passar por alguma
situação muito constrangedora, medo de surpreender contrariando, medo de
viver!
Sim, pois o que ele estava vivendo não era vida.
A
vida só é realmente plena quando ela é vida. Vida é sinônimo de viver. E
sobreviver em uma vida média, palavra que nos remete a medíocre, não é
vida. Tampouco sobrevida. Pois na sobrevida, os doentes terminais que
descobrem portar uma doença grave e incurável, tendo condições de viver o
pouco que lhes resta, procuram vivê-la intensamente, por aprender o
grande valor que há nisto: na vida.
Vida. Esta que por vezes nos passa tão despercebida e quando olhamos para trás, para nossos sonhos, anseios, pode já ser tarde.
Entretanto,
se havia algo em Lourenço (não Duarte) era uma força de vontade
incrível até então reprimida, talentos impressionantes, até então
sufocados e, ao chegar a conclusão de que era Duarte o esmagador de
todos estes anos, oferecendo-lhe uma vida mediana, tentando enganar-lhe
que fizera o possível apenas para aliviar o lado fraco de sua
consciência para não ter que enfrentar alguém tão brilhante quanto
Lourenço, sabotando tudo o que tentava realizar, os verdadeiros desejos
que pertenciam a Lourenço e foram todos sabotados por Duarte, Lourenço
tomou uma decisão.
A
decisão de que nunca era tarde para recuperar o que havia se perdido
pelo caminho. Ciente de que nem tudo seria como teria sido na época em
que um objetivo, um sonho lhe fora sabotado, mas que poderia, de algum
modo, eliminar tudo o que havia de nefasto naquele Duarte mediano e
mostrar ao mundo quem realmente era Lourenço. O verdadeiro, até mesmo no
nome.
Lourenço
tinha noção de que isto aos olhos dos demais que não conheciam todo o
potencial que tinha, por ter permitido que aquele Duarte insignificante
tomasse seu lugar, não seria reversível nem mesmo com anos de terapia,
porém, somente Lourenço conhecia a si mesmo e agora, também a Duarte
para poder controlá-lo, sufocá-lo e até mesmo, matá-lo. Sem compaixão.
É
certo que a insegurança ainda era grande, coisas não se modificam de um
dia para o outro. Contanto, Lourenço estava disposto a se arriscar,
mesmo que isto lhe custasse uma lavagem cerebral ou qualquer coisa do
gênero. O importante para ele era não haver desistido de si mesmo após
uma vida toda adormecida.
Ele
sabia que nada pior do que Duarte poderia lhe acontecer e resolveu
enfrentar todas as situações de frente, recriar, reinventar-se, o que em
verdade era apenas... revelar-se.
Ser o que realmente era sem remorsos, controlando temores e provando a si mesmo o quão valiosa era sua pessoa.
E quanto a você?
Refletindo
sobre sua vida, quem se sobressai? Lourenço, aquele que você sabe (sim,
por mais que negue para fingir falsa modéstia ou por insegurança ou
qualquer motivo que seja, mas sabe!) o quanto pode ser cativante,
inteligente, alguém de sucesso, de destaque.
Ou Duarte? Aquele que sabota tudo de bom apenas por um falso conforto que só levará a um caminho: o da frustração?
Pense. Esta decisão depende de uma vida. A sua.
É a segunda vez que escrevo em parceria, e sinceramente, adorei! Obrigada Christian, você escreve muito, muito bem!