(22 de agosto - Dia do Folclore Brasileiro)
Minha agonia não tem fim. Só tem pausas, mas não tem fim e não sei se algum dia
vai ter.
Dizem que há um jeito
de quebrar minha maldição, porém quem é que vai ter coragem de bater na minha
cabeça quando estou transformado e transtornado?
Essa porcaria me
persegue desde meus treze anos. Ainda lembro daquela noite em que algo me
forçou a sair de casa. Era quase meia-noite e a lua brilhava enorme no céu. Sem
entender porque, algo me fez levantar da cama. Parecia que algo me chamava, eu
precisava fazer isso. Meus passos me levaram para um local deserto e...
...só me lembro de
acordar na minha cama, nu, com o sol já a pino, me sentindo exausto. Minhas
roupas estavam rasgadas, no chão. Não fui à aula, meus pais relatam que
tentaram me acordar de todas as maneiras e não conseguiam. Estava me sentindo
tão cansado que não tinha forças para nada.
Passei alguns dias
ouvindo meus pais acusando-se mutuamente pelo meu batizado ter demorado a
acontecer, por terem tentado ter um filho depois de sete filhas. E depois
pedindo que eu evitasse abrir a janela do quarto em noites de lua cheia.
Desde aquela noite,
toda terça-feira é essa agonia. E piora muito, quando estas terças coincidem
com luas cheias. Quero dormir e não consigo, a necessidade de sair de casa é
tão forte que sinto como se algo me puxasse. Acordo cansado, sujo, dolorido,sem
voz, com a certeza de que de novo fiz. De que de novo corri, corri muito,
espantei cães, apaguei luzes, uivei com todas as forças. De novo tive de
cumprir esta maldição.
Tenho alguns flashes
enquanto estou neste tipo de transe. Percebo casas passando em alta velocidade,
cachorros correndo apavorados. Como se fosse um sonho, pedaços de sonho.
Já acordei assustado
por ver sangue na minha cama, ficando aterrorizado em seguida ao ver que o
sangue era de uma galinha, já sem a cabeça.
Já acordei todo sujo,
sem lembrar como aconteceu.
Tentei colocar tranca
em todas as portas e janelas, para no dia seguinte acordar de cara com ripas de
madeira quebradas e farpas nos meus braços.
Com o passar dos anos,
fui me conformando, de certo modo, com minha condição. Vivo sozinho desde os
dezoito anos, isolado em uma casa que construí para mim. Faço alguns bicos
durante a semana e gosto de sossego. Um jeito de compensar a canseira de percorrer
sete pátios de igreja, sete vilas e sete encruzilhadas uma vez por semana. Pelo
menos é o que dizem que eu faço. Se é que com a cidade crescendo tanto ainda
tem alguma vila, mas isso é outra história.
Só sei que estou
cansado. Cansado desta condição, cansado desta vida que levo, evitando outras
pessoas ao máximo para não criar laços. Cansado de viver sozinho para não
assustar ninguém. Evitando ter uma vida com uma família, com medo de passar
esta maldição para outros.
Gostaria de dar um fim
nisso, de uma vez. Porém ainda não tenho coragem para tal. Se alguém tivesse
coragem de bater na minha cabeça, quem sabe. Ou eu poderia provocar uma briga
em algum bar, sei lá.. Aí alguém bateria na minha cabeça e eu ficaria sabendo
se essa parte da lenda também é real.
Às vezes penso que
nada disso acontece, e na verdade apenas penso ter sido amaldiçoado. Ou eu
tenho talvez algum problema mental, talvez esquizofrenia, ausência, sei
lá...
Enquanto não decido o
que fazer, vou seguindo assim. Até quando não sei. Esperando que algo mude, mas
sem coragem de procurar a mudança. O porquê eu não sei.