Todas
as noites, tinha o mesmo pesadelo. Todas. Nos últimos cinco anos. Era adormecer
e em pouco tempo as mesmas imagens horríveis se formavam e não havia como
evitar o desfecho: acordar gritando às três horas da manhã. Dormir já estava
virando uma tortura.
Adiava
o quanto podia a hora de recolher-se: escrevia, lia, criava distrações várias,
porém mais cedo ou mais tarde o sono acabava vencendo. E o pesadelo chegava.
Algumas
coisas durante o sonho mudavam: pequenas nuances, cheiros, ordem de alguns
fatos, porém o início e o final eram sempre os mesmos. Tudo iniciava com a
visão de uma grande árvore e tudo escurecia de repente... E o final era algo
ameaçador, uma espécie de cataclisma impossível de descrever, uma grande ameaça
à qual reagia com o costumeiro grito.
Estava
tentando interferir no sonho, já que após tantos anos conhecia os fatos, e
mesmo assim não conseguia fugir deles. O mais aterrador era saber que estava
sonhando e não conseguir fazer nada, não conseguir acordar antes do desfecho.
Sabia que estava sonhando e mesmo assim a sensação de pavor era inevitável.
Uma
noite viu uma mulher, toda de branco, com cabelos muito compridos. Porém não
conseguia divisar seu rosto. Parecia um manequim sem face em meio a uma névoa
densa. Estava de pé, em um vagão de trem de carga que não se movia. A mulher
parecia igualmente imóvel, a não ser por um leve acenar com a mão direita, como
se estivesse chamando. Nesse momento, por incrível que pareça, acordou. Não chegou
a ver as cenas escuras e aterrorizantes que sempre o acordavam. Foi ao banheiro
lavar o rosto, olhou para o relógio que ainda estava no pulso: cinco e quinze.
As
coisas estão mudando, pensou. Algo diferente está acontecendo.
Passou
o dia pensando no sonho, pela primeira vez em cinco anos não estava com medo de
dormir. Pelo contrário, sua curiosidade fazia com que quisesse que o dia
passasse logo para poder ir para casa e descobrir, no sono, o porquê daquela
mudança.
A noite
chegou e novamente viu: uma mulher, cabelos muito compridos e negros. Usava uma
roupa comprida, uma espécie de túnica até os pés. Havia névoa e novamente não
era possível ver seu rosto. Ela acenou do vagão, desta vez com as duas
mãos. Então, aconteceu: nuvens escuras e
descargas elétricas: era o cataclisma que sempre antecedia seu despertar. E de
fato despertou. Mesmo sabendo que era um pesadelo, acordou gritando, como nas
outras noites. Mas... Por que na noite anterior não acontecera isto?
Algo
lhe dizia que precisava chegar ao tal vagão antes da tempestade, antes da escuridão
total. Mas por que este vagão, esta mulher, aparecera agora, depois de cinco
anos?
Mais
uma noite chegou, desta vez foi dormir cedo. De aterrorizante o sonho passara a
ser instigante. Precisava descobrir o porquê desta mudança, e se finalmente
conseguiria se livrar do pesadelo. Seria a tal mulher no sonho a chave para
acabar com estes cinco anos de tortura? Ou seria uma armadilha? Bem, como toda
história só acontecia em seus sonhos, não importava muito... Sua vida seria a
mesma quando acordasse.
Durante
a noite, começou o sonho. Como sempre, aparecendo uma grande árvore, no alto de
uma colina. Sempre tão alta, e com tantos galhos. Mas desta vez... Ela estava
florescendo! Flores brancas, miúdas, com um centro amarelo bem suave. O céu
estava claro, e foi escurecendo, porém devagar – não de repente, como em outras
vezes. Uma chuva fina foi caindo, e tudo foi escurecendo. A chuva parou, a lua
cheia surgiu, e lá estava a estação de trem e o vagão abandonado. Desta vez, a
mulher parecia ter rosto, e acenava com energia. Precisava correr, a tempestade
e o cataclisma estavam chegando. E pode perceber o que parecia ser um maremoto.
Conseguiu
ouvir a voz da mulher: - Depressa, pega minha mão!
Correu
o mais que pode, sentiu os dedos da mulher segurando os seus – eram frios. Uma
luz branca apareceu, envolvendo os dois, e tudo ficou branco.
Abriu
os olhos. Tudo continuava parecendo branco. Onde estava? Estava acordado, ou
dormindo? Conseguiu ver, de relance, uma comprida cabeleira, e tentou tocar,
para ver se era real. Mal tocou as pontas dos dedos naqueles cabelos negros,
sentiu que alguém se virava. Era real! Uma mulher estava ali...
-
Denis? Denis!!!
- Onde estou?
-
Graças a Deus, você acordou! Eu nunca perdi a esperança... Todos diziam que era
bobagem eu continuar vindo aqui, todos os dias... Mas há três dias atrás você
tentou mexer sua mão. Então tive certeza que você iria voltar
- Mas...
Quem é você?
- Tanto
tempo deve ter afetado sua memória, querido! Sou sua irmã... Tamara...
- Eu...
Vi você no sonho... Mas como vim parar aqui?
- Você
está aqui há cinco anos, Denis. Desde o dia em que estávamos na praia, e uma
onda grande engoliu você... Você bateu a cabeça, e quase morreu afogado.
- Como
eu posso estar aqui há cinco anos? Se toda madrugada eu acordo depois do
pesadelo, levanto da cama, vou lavar o rosto... Eu... Estive o tempo todo
sonhando? E tive um sonho dentro do sonho?
- O que
importa é que você acordou. Vou tocar a campainha, para a enfermeira chamar o
médico.
- A
árvore... A árvore com flores brancas...
- Ah,
sim. Você adorava cuidar dela. Você a plantou quando tinha dez anos, lá no alto
da colina, perto da nossa casa e vivia acompanhando seu crescimento. E ela
floresceu esta semana!
O
médico veio em menos de dez minutos. A recuperação, depois de tantos anos,
seria demorada, mas tinha esperanças que a memória voltaria aos poucos.
Então
era isso... Agora, estava acordado de verdade. Não teria mais estes pesadelos
recorrentes... E tinha tanto a descobrir e a conhecer, de novo! Não poderia
perder mais tempo, precisava recuperar sua vida. Sua irmã, não se sabe como,
invadiu seu sonho e o trouxe de volta, e ele seria eternamente grato.
Puxa, que lindo , instigante e emocionante e que final maravilhoso esse.Agora teriam tempo pra recuperação ,mas pelo menos, com vida, presença! LINDO! bjs,chica
ResponderExcluirOi Mari.
ResponderExcluirAdorei seu conto/poema. Bem reflexivo.
É o inconcluso, o deixado para trás, o esquecido, o não-realizado ou o sonho impossível, o desejo inatingível, o amor esperado, o labor dos sonhos que causam pesadelos? Viver e existir para valer a pena estar neste mundo, aqui e agora pede ser a cura, não é?
Um abraço e tenha bons dias!